O período mais importante na vida de uma vaca leiteira compreende os 30 dias da data prevista para o parto e os 21 dias que se seguem. É nesta fase que toda a lactação poderá ser maximizada ou penalizada, dependendo do manejo com os animais.
De maneira geral, espera-se de uma vaca leiteira a produção máxima de seu potencial genético e que ela tenha o mínimo de distúrbios metabólicos, entre eles, o deslocamento de abomaso (giro na posição do estômago verdadeiro), cetose (intoxicação por corpos cetônicos produzidos pelo fígado), a retenção de placenta e a hipocalcemia (déficit de cálcio na corrente sanguínea), que, segundo levantamentos de pesquisadores norte-americanos, podem levar o produtor a gastar de US$ 150 a US$ 500 por vaca no período de lactação caso sofra dessas enfermidades.
Dentre todos os manejos para se prevenir as ocorrências desses problemas está a mensuração do consumo de matéria seca por esses animais. É na matéria seca, ou seja, no alimento, que se encontram os nutrientes necessários para que o animal desempenhe todas as suas funções metabólicas. Ela também pode fortificar o sistema imunológico que porventura venha a se comprometer devido à baixa ingestão de nutrientes nessa fase.
No terço final da gestação ocorre o maior crescimento do bezerro no útero materno. Após o parto, a vaca tem a capacidade ruminal comprometida, além de ter que produzir leite e estar apta a se reproduzir novamente. O grande problema é que a vaca só consumirá o máximo de matéria seca após os 90 dias pós-parto e o pico de lactação se dará aos 60 dias pós-parto.
Nessa fase, como a produção é maior do que a ingestão de nutrientes, entende-se que a vaca está em balanço energético negativo, comprometendo o seu desempenho futuro. Daí a importância de se medir exatamente o que o animal está ingerindo de matéria seca, para que se possa colocar nela todos os nutrientes necessários.
A ingestão de matéria seca nesta fase está diretamente relacionada a outro manejo que se pode lançar mão para evitar os distúrbios: o escore corporal. Para vacas leiteiras, utiliza-se como parâmetros a escala de 1 a 5, sendo o escore 1 para animais muito magros, e escore 5, para os animais muito gordos.
No entanto, mais importante do que o escore corporal que o animal se encontra ao parto, é a diferença na mudança deste escore. Por exemplo, se uma vaca vai parir com escore 4 e, aos 10 dias pós-parto esse animal estiver com escore 2, será mais prejudicial do que uma vaca parindo com escore 3,5 e, aos 10 dias pós-parto, estiver com 2,5. A diferença de perda de escore na primeira situação, que seria de 2 pontos, é mais prejudicial do que a diferença da segunda situação que seria de 1 ponto.
Essa situação de mudança no escore corporal no período de transição pode levar o animal a um quadro de cetose. A cetose nada mais é do que a incapacidade do fígado em metabolizar a gordura corporal que a vaca utilizou para suas demandas energéticas. Quando falta alimentação adequada nesta fase, o animal mobiliza gordura corporal para a produção de leite e a manutenção de suas funções fisiológicas. O problema se agrava quando o fígado, para se livrar dessa gordura, começa a metabolizá-la em compostos chamados corpos cetônicos, como o beta hidroxi butirato, e o joga na corrente sanguínea. Esse composto é tóxico ao animal e, se não for feito um tratamento para diminuir este processo, poderá levá-lo à morte ou comprometer a produção em toda a lactação. Para prevenir o quadro de cetose pode-se mensurar os níveis de beta hidroxi butirato na corrente sanguínea, sendo que o nível para tratamento com propilenoglicol será de 12,4 mg/dL de BHBA, mensurados aos cinco e nove dias após o parto.
A hipocalcemia também é um distúrbio caracterizado pela ineficiência da vaca em mobilizar cálcio para as suas funções fisiológicas. Ao parir, o animal aumenta em muito sua necessidade de cálcio, pois consome pouca matéria seca e ainda tem que produzir muito colostro e leite, além de, antes do parto, ter um esqueleto fetal em formação que demandava muito desse metal alcalino. Manipular o processo de retirada do cálcio do esqueleto da vaca é uma das formas de prevenir esse distúrbio. A hipocalcemia pode ser o estopim para diversas anomalias após o parto, como metrites, cetoses e, principalmente, doenças ligadas ao sistema imune do animal.
Utilizar suplementos aniônicos no pré-parto é uma das alternativas para que a mobilização do cálcio dos ossos para a corrente sanguínea seja mais efetiva. A dieta aniônica tem por objetivo deixar o receptor do paratormônio (hormônio responsável pela retirada do cálcio ósseo para a corrente sanguínea) mais ativo. Esse receptor é pH-dependente, sendo que, quanto mais ácido for o meio fisiológico, maior será a resposta desse receptor. Portanto, um modo de se verificar se a dieta aniônica para prevenção de hipocalcemia está funcionando é a simples mensuração do pH urinário, que é levemente alcalino (ao redor de 8,0). Ao lançar mão de suplementos aniônicos, ricos em ânions como cloro e enxofre, este pH pode chegar à 5,5 a 6, mostrando que o animal provavelmente está mobilizando mais cálcio para as suas funções.
A retenção de placenta também é outro problema que acomete os animais na parição. É a doença que abre portas para as demais enfermidades e está relacionada com ingestão de selênio e vitaminas, além de manejo ambiental aos 30 dias antes da data prevista para o parto. Portanto, para a prevenção de retenção de placenta, além do uso de suplementos minerais de alta biodisponibilidade, como selênio, cobre, zinco e vitamina E, a adoção de dieta aniônica também favorece a diminuição dessa enfermidade.
Animais em ambientes com alto desafio de estresse, como calor, barulho excessivo, muita movimentação, camas desproporcionais e, principalmente, dietas de baixa qualidade, também podem aumentar os índices de retenção de placenta.
Sendo assim, para que se possa dar condições aos animais expressarem o máximo de seu potencial genético, é de extrema importância que o manejo nutricional seja bem realizado aos 21 dias pré-parto e aos 21 dias após o parto. No entanto, deve-se também lançar mão de manejos voltados ao conforto e sanidade para que uma vaca faça apenas quatro coisas na propriedade: coma, descanse, rumine e produza. Caso contrário, ela estará pensando. E vaca que pensa, não produz!
Liéber Garcia é mestre em zootecnia e coordenador de pecuária leiteira da Premix
Fonte: PREMIX